quarta-feira, 29 de junho de 2011

Crônicas da Cidade: Porto Alegre, a cidade dos extremos

Agora com a coleta do lixo.

"Porto Alegre tem duas cidades: uma para mostrar e receber investimentos; 
outra para esquecer!" (ONG Cidade)

Lucimar F. Siqueira (assessora técnica da ONG Cidade) 

Novo sistema de 
coleta de lixo
de Porto Alegre
Notícia divulgada pela Prefeitura anuncia o início de um novo procedimento de coleta de lixo orgânico na cidade. Tudo automatizado! Serão instalados contêineres na rua a, no máximo, 50 metros de cada domicílio!!  Caminhões com braços mecânicos recolhem o contêiner, esvaziam no caminhão e depositam novamente na calçada. 

Por outro lado, desde que algumas famílias da Vila Dique foram transferidas para o reassentamento, o DMLU deixou de frequentar àquelas que ficaram no local de origem. 
Mas não é só o lixo que preocupa os moradores. 

Numa das minhas visitas ao Beco tenho oportunidade de conhecer outras pessoas e ouvir suas histórias.  Caminho. Converso. Hoje estou acompanhando uma equipe de reportagem da TV junto com um dos líderes comunitário do reassentamento e um ex-agente comunitário, exímio conhecedor das agruras daqueles moradores. 


Vila Dique, Porto Alegre
21/01/2011
Foto: Lucimar F Siqueira
O grupo caminha e logo surgem mães com filhos no colo, crianças e idosos. Se aproximam.  Imediata e ininterruptamente começam a relatar os problemas que estão enfrentando. Reconheço uma delas. A fotografei com um cartaz nas mãos no evento promovido pela Prefeitura para a transferência da área para a Infraero. Na ocasião, ora ela segurava o cartaz, ora o bebê deitado com uma fralda de tecido protegendo o rosto do sol do verão. Agora sei o seu nome e ela sabe que aquele cartaz fotografado está sendo seu porta voz na internet.   

Pedem para fotografar o lugar, apontam para os problemas visíveis dos quais reclamam. A fotografia para os moradores é o registro, a forma de confirmar que dizem a verdade. Contam que no lugar de onde  a Prefeitura tirou as casas e fecharam com o muro da Infraero, a água está aberta. A Prefeitura arrancou as casas, colocou a patrola em cima para destrutí-las mas não retirou e nem fechou os canos de água.  Isso não tem como me mostrar, mas afirmam que tem fotos, alguém fez até um filme com o celular. Falei que voltarei outra hora para ver o vídeo. 

A equipe da TV se prepara para fazer as imagens e entrevistas. Existem depoimentos importantes aqui, diz o jornalista. A creche que foi transferida para o Clube de Mães é a novidade naquele momento e a maior preocupação das mães pois não tem infraestrutura para atender às necessidades das crianças. 

Me afasto, deixo o grupo conversando com as mulheres e crianças e volto a falar com uma senhora, jovem,  que sai da varanda e se aproxima do portão. Pergunto como estão se sentindo em relação à mudança. Segundo levantamento do DEMHAB os moradores do Beco serão os próximos a se mudarem para o Loteamento Bernardino da Silveira (o reassentamento). Mas o que escuto é diferente das declarações do governo.

Cano com água potável corre 
junto ao esgoto à céu aberto.
Foto: Lucimar F. Siqueira
Sem respostas quanto a previsão das mudanças, extremamente inseguros com os boatos de que a construtora vai parar as obras e deixá-los onde estão sem a casa nova, sem coleta de lixo, com abastecimento de água precaríssimo cujos canos passam por dentro de valos com esgoto à céu aberto, muitas casas sem água e o medo da mudança .

"Faz tempo que o DEMHAB não vem mais aqui. Agora dizem que a construtora vai parar, ninguém sabe o que vai acontecer e as coisas aqui tão assim...Tem rato por tudo, tem gente que não tem água em casa. Antes o DEMHAB vinha sempre. Faziam reunião na rua, ensinavam até como usar o banheiro. Mas nós sabemos isso, nós precisamos é de um banheiro."

Ela abre o aspirador de pó e mostra os escrementos de ratos que tirou debaixo da cama das crianças.

Fala comigo mas é a ela mesma que se dirige: "Como é o novo lugar? Tem casa nova. Como as crianças irão para a escola? quem se mudou tá mandando as crianças pra escola daqui. E quem precisa do posto, também. Não é perto, não dá pra pagar ônibus pra vir no posto daqui. A Prefeitura colocou um ônibus lá pra levar as crianças pra a escola mas ficou uma semana depois tirou.

Eu quero sair daqui, ter uma casa melhor, sem ratos. Um lugar pra viver melhor. Mas e se for mais difícil viver lá? Tenho uma menina e um guri. Logo ela será adolescente e vai querer o espaço dela. Dizem que não pode mudar a casa, como vai ser, então?"

Peço para conhecer o quintal. Ela se anima, segura o cachorro que está preso por uma coleira num fio que vai por toda extensão do pátio. Fica orgulhosa por ter um terreno grande, grama aparada, espaço para uma varanda que neste dia protegia o varal cujas roupas coloridas iluminavam o pátio. Ela me leva até o final do terreno, às margens do valão. Do fundo do quintal, volta o olhar para a casa onde vê-se o pátio, a casa em duas águas construída com muito material improvisado, a cerca que contorna o quintal dando a sensação de aconchego, de abrigo. Dois tonéis azuis, de plástico, onde a família separa cuidadosamente o lixo. Aprenderam a fazer isso logo cedo pois sabem bem como é o trabalho depois que o lixo chega no galpão. 

Foto: Lucimar F. Siqueira

"Aqui nós compramos. Tem uns que invadiram, mas nosso terreno é comprado. Atrás passa o valão que quando chove transborda e a água chega até no meu quarto, completa."

Mas hoje tem sol e tudo está limpo e arejado. Do portão para dentro. 

Falta de coleta de lixo no Beco da
Vila Dique. Foto tirada em 16/06/2011 por Lucimar F. Siqueira.

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