quinta-feira, 28 de abril de 2011

Os segredos do PAC da Copa - A Arena e a lei 13.093 - Capítulo 4

Tania Jamardo Faillace, jornalista e delegada RP1

Audiência Pública no Humaitá
As espertezas da Arena do Grêmio, em cima de uma lei totalmente ilegal e inconstitucional, que bota no lixo o Direito Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, a lei 13.093, de 2008, elaborada pela ex-governadora e aprovada pela Assembléia, como já falamos, não ficaram por aí.

Foi realizada uma audiência pública no bairro Humaitá, em abril do ano passado, justamente no Ginásio da escola da Federação dos Círculos Operários, onde foi apresentado e lido o EIA-RIMA do projeto. Isto é, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório do Meio Ambiente, trabalho realizado pela Profill Engenharia.

Árvores nativas. Foto: Eduíno Mattos
E pasmem: o relatório foi muito bem feito, correto e competente, apesar de encomendado pelo empreendedor. Suas conclusões: a Arena do Grêmio e o complexo previsto serão um desastre de grandes proporções para o bairro.

Algumas constatações:

1. Destruição do ambiente natural - das 500 árvores do local, 400 serão derrubadas, as espécies menores (arbustos, plantas rasteiras) serão eliminadas.

2. Intensificação da ocupação e impermeabilização do terreno - mais uns 20 mil ocupantes permanentes (moradores e trabalhadores no local - shoppings, supermercados, portarias, estacionamentos, etc.) e uns 70 mil em dias de jogos, sem falar de um enorme estacionamento asfaltado para alguns milhares de carros. Isso tudo vai sobrecarregar e saturar os serviços municipais de água, o fornecimento de energia elétrica, aumentar a produção de lixo local e, principalmente, vai provocar inundações em todo o bairro, que não conta com sistema de esgoto cloacal e não tem drenagem para água da chuva. Quer dizer, a cada chuva forte, haverá inundação do miolo do bairro, com água da chuva e esgotos cloacais misturados. Sem mencionar que o próprio bairro foi construído em cima de um lixão que ainda desprende gás.

3. O Humaitá é o bairro de ar mais poluído de toda a cidade, e onde mais se verificam doenças alérgicas e pulmonares em razão de estar localizado na Entrada da Cidade, e ter seu trânsito saturado. Imaginem o que acontecerá com mais milhares e dezenas de milhares de novos veículos, tanto em dias comuns, como multiplicados em dias de jogos. Teremos aí, além do aumento multiplicado da poluição aérea, também a paralisação do trânsito da zona Norte.

4. O Humaitá igualmente é reconhecido como o bairro de maior violência e insegurança na cidade de Porto Alegre. Essas circunstâncias tendem a agravar-se com a sobre-ocupação da área da Arena.

Alguns moradores acharam que algumas compensações em dinheiro ou obras, poderiam, talvez, compensar os desastres anunciados pelo super-projeto, a perda dos locais de lazer e o entupimento das vias de circulação.

Mas não foram informados de que todo o projeto se baseia numa lei ilegal e inconstitucional, e portanto, bastaria derrubá-la para que a área de 38 hectares voltasse ao domínio público.

Essa área foi doada pelo Estado à Federação dos Círculos Operários para fazer uma Escola Técnica Profissional. O Estado não pode fazer doações só porque quer, e quem recebe, o donatário, não pode fazer o que lhe der na cabeça com o terreno doado, mas deve obedecer aos itens do contrato. Se fizer coisa diferente, perde a doação, e deve fazer sua devolução ao Estado Assim, não pode passar essa doação adiante, seja de graça ou por venda. Para isso, há obrigações escritas de impenhorabilidade (não pode ser penhorada) e inalienabilidade (não pode ser vendida).

Por outro lado, como se trata de uma doação, o donatário não deve pagamento de qualquer tipo ao Estado. Se isso for pedido no contrato, não se trata mais de uma doação, mas de uma transação com valor econômico. E o  Estado não pode fazer transações sem licitação pública. Se isso acontecer, todo o contrato é NULO.

No caso da gleba de Humaitá, o Estado não podia pedir o terreno de volta, porque a Federação fez o que havia sido combinado. A Federação, claro, poderia devolver o terreno, sem direito a qualquer indenização. Se o terreno fosse devolvido por vontade da Federação, o Estado poderia ficar com ele para uso próprio, ou fazer uma licitação pública para dar outra destinação ao imóvel.

Isso não foi feito pela ex-governadora. Ela apenas transferiu as obrigações para um outro terreno, que não pertencia ao Estado nem ao donatário (Federação), situado na estrada Costa Gama 1009.

Sua idéia era que assim a área de Humaitá ficaria livre para a Federação vendê-la para a Construtora. Só que tudo isso é ilegal: a governadora não podia botar obrigações sobre um terreno de terceiros! Isso é um abuso contra o direito de propriedade.

Para fazer isso, ela teria antes que: a) desapropriar a área por razões de interesse público; b) confiscar a área em razão de débitos com o Estado, mas isso somente após a causa julgada; c) comprar a área.

Não fez nada disso, e o terreno da Costa Gama foi comprado pela Federação um ano e quatro meses depois dessa lei ser homologada! Quer dizer, essa transferência das obrigações é ilegal, e todas essas arbitrariedades são legalmente NULAS!

Desse modo, a área do Humaitá continua gravada, em poder da Federação, e não pode ter outro uso a não ser aquele determinado pela doação de 1963.

MAS... as ilegalidades não pararam aí.

Em dezembro de 2010, a Federação parcelou o terreno do Humaitá em quatro partes, o que não podia fazer, como já sabemos. Pior, vendeu duas dessas parcelas à Nova Humaitá Empreendimentos, enquanto outra continua gravada com impenhorabilidade e inalienabilidade, e a quarta está livre. 

Veja abaixo, uma cópia da lei da dona Yeda, para vocês conferirem, se tiverem paciência.

LEI Nº 13.093, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2008.
(publicada no DOE nº 247, de 19 de dezembro de 2008)
Introduz alterações na Lei nº 4.610, de 21 de novembro de 1963, alterada pela Lei nº 11.622, de 14 de maio de 2001, que autoriza o Poder Executivo a doar área de terras à Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul.

A GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Faço saber, em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV, da Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:
Art. 1º - Na Lei nº 4.610, de 21 de novembro de 1963, alterada pela Lei nº 11.622, de 14 de maio de 2001, ficam incluídos os arts. 7º e 8º e os arts. 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, passam a ter a seguinte redação:
“Art. 2º - A donatária deverá construir e instalar uma Universidade do Trabalho, ou estabelecimento com a mesma finalidade, em área de terras, com superfície de 22 hectares, mais ou menos, fazendo frente à Estrada Costa Gama, antiga Estrada do Salso, com um bangalô de material nº 1.009 da dita Estrada, com suas dependências e benfeitorias entre as quais 4 construções de madeira, tendo as seguintes confrontações: frente à referida Estrada; de um lado com terras que são ou foram do Amparo Santa Cruz; pelo outro lado e nos fundos com terras que são ou foram do Major Fontoura, conforme registro às fls. 22, do Livro 3-T/1, sob o nº 26.641, do Registro de Imóveis da 2ª Zona da Comarca de Porto Alegre.

Art. 3º - A área descrita no art. 2º desta Lei fica gravada com as cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade, devendo ser transferida ao domínio e posse do Estado, sem que assista direito de indenização à donatária, caso não sejam observados os requisitos expressos nesta Lei.

Parágrafo único – Enquanto não implementada a transferência do domínio da área descrita no art. 2º desta Lei à donatária, os gravames previstos no “caput” deste artigo, recairão sobre a área descrita no art. 1º desta Lei, ficando automaticamente extintos com o devido registro da área descrita n art. 2º desta Lei em nome da donatária.

Art. 4º - O donatário deverá entregar ao doador, exclusivamente às suas expensas:

I - um prédio escolar, novo e nos padrões a serem definidos pela Administração Estadual, em terreno de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, por este indicado, com idênticas dimensões do prédio atual da Escola Estadual Oswaldo Vergara;
II - oito salas de aula e demais dependências, em substituição aos dois prédios de madeira, que deverão ser demolidos, existentes junto ao Colégio Estadual Carlos Fagundes de Mello; e
III - realizar a ampliação de duas salas de aula no atual prédio da Escola Estadual Danilo Antônio Zaffari, todos no Município de Porto Alegre.

Art. 5º - Enquanto não cumprida a obrigação prevista no art. 4º, fica onerada com os gravames previstos no art. 2º a seguinte fração de terra que faz parte do todo maior previsto no art. 1º desta Lei, contando com 20.704,952m² e com o seguinte perímetro: partindo do vértice A, situado no limite da Av. Padre Leopoldo Brentano com a Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, referida ao norte magnético, deste confrontando neste trecho com a referida avenida, no quadrante sudoeste, seguindo uma distância de 71,651m e azimute plano de 277º06’24” chega-se ao vértice B, deste confrontando neste trecho com a referida avenida, no quadrante sudoeste, seguindo com a distância de 3,048m e azimute plano de 297º29’20” chega-se ao vértice C, deste confrontando neste trecho com a referida avenida, no quadrante Sudoeste, seguindo com distância de 54,431m e azimute plano de 278º12’26” chega-se ao vértice D, deste confrontando neste trecho com a referida avenida, no quadrante Sudoeste, seguindo com distância de 334,971m e azimute plano de 277º17’50” chega-se ao vértice E, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante sudoeste, seguindo com distância de 99,424m e azimute plano de 347º53’43” chega-se ao vértice F, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante noroeste, seguindo com distância de 2,729m e azimute plano de 46º00’29” chega-se ao vértice G, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante noroeste, seguindo com distância de 82,161m e azimute plano de 88º43’34” chega-se ao vértice H, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante nordeste, seguindo com distância de 51,139m e azimute plano de 91º10’34” chega-se ao vértice I, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante nordeste, seguindo com distância de 67,712m e azimute plano de 98º14’58” chega-se ao vértice J, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante nordeste, seguindo com distância de 9,705m e azimute plano de 142º38’37” chega-se ao vértice K, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante sudeste, seguindo com distância de 19,550m e azimute plano de 182º16’00” chega-se ao vértice L, deste confrontando neste trecho com terras da Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul, no quadrante sudeste, seguindo com distância de 88,752m e azimute plano de 195º47’08” chega-se ao vértice A, ponto inicial da descrição deste perímetro.

Art. 6º - Cumprida a obrigação prevista no art. 4º, fica automaticamente extinta a oneração prevista no art. 5º.

Art. 7º - Doador e donatário estabelecerão medidas compensatórias das diferenças de avaliação das áreas, inclusive pelo cumprimento das obrigações previstas no art. 4º, prestação de serviços sociais e comunitários, execução de obras e equipamentos públicos e pela projeção de acréscimo da arrecadação tributária estadual decorrente da implantação de projetos ou empreendimentos na área referida no art. 1º, ou eventual torna de valor.

Parágrafo único – A não efetivação de termo de compromisso firmado entre doador e donatário, no prazo, de 90 (noventa) dias, com o estabelecimento das medidas compensatórias indicadas no “caput”, determinará o recaimento dos gravames previstos no art. 3º sobre a área descrita no art. 1º.

Art. 8º - As despesas com escritura e registro de imóveis correrão à conta do donatário.
Art. 9º - Revogam-se as disposições em contrário.”

Art. 2º - A área descrita no art. 1º da Lei nº 4.610/1963, e alteração, deverá ser destinada, no todo ou em parte, à construção do complexo esportivo Arena do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

Art. 3º - A Assembléia Legislativa deverá ser informada dos valores de avaliação das áreas previstas nesta Lei, bem como da compensação que for realizada.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 18 de dezembro de 2008.
FIM DO DOCUMENTO

Um comentário:

  1. Então alguém tem que tomar uma providencia contra esta ilegalidade. Como pode o donatário vender uma área doada? Isto é crime! E com o aval do doador, o que torna o fato mais sério ainda. O MP tem a obrigação de intervir no assunto para esclarecer os fatos para o povo gaúcho.

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