sábado, 3 de setembro de 2011

Comitês Populares da Copa fortalecem sua organização nacional


Por Katia Marko – GT Comunicação do Comitê Popular da Copa em Porto Alegre


No final de semana passado (dias 27 e 28/8), representantes de 10 cidades-sedes participaram de uma Plenária Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, em Brasília.

O
encontro no Centro Cultural Brasília definiu os próximos passos para o fortalecimento da articulação nacional. Além de uma coordenação nacional, com dois representantes por comitê, serão criados grupos de trabalho de comunicação, formação, finanças e jurídico, com um indicado de cada comitê das 12 cidades-sedes. Cada GT terá a tarefa de encaminhar as propostas aprovadas na plenária.

No debate da manhã de sábado, o professor do IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Carlos Vainer falou sobre a formação do Estado de Exceção para e após os megaeventos. Segundo ele, os megaeventos esportivos estão relacionados a um novo modelo de planejamento urbano em que a realização de negócios prevalece aos interesses do conjunto da população. Com isso, poucos grupos privados se apropriam do recurso público, enquanto a pobreza é criminalizada.

O que é cidade de exceção?

Conforme explicou Vainer, a chegada, nos anos 1990, dos modelos competitivos empresariais de cidade, colocou como formato ideal de cidade aquela que é capaz de atrair capitais e turistas. Ou seja, uma cidade que funciona como uma empresa, que opera num mercado internacional de cidades-empresas, também concorrendo umas com as outras para se vender no mercado. Esse modelo chegou ao Rio de Janeiro no primeiro Plano Diretor da cidade, na gestão do prefeito César Maia, com a consultoria catalã — porque Barcelona é considerada um exemplo desse tipo de cidade.

O que uma cidade-empresa faz? Ela concorre, por isso tem ser ágil. Como eles dizem, ela tem que aproveitar as oportunidades de negócio. Um plano diretor, que estabelece o que se pode e o que não se pode fazer numa cidade, é um obstáculo a essa flexibilidade, que é condição para se aproveitarem as oportunidades de negócios. Tudo que é regra aparece como obstáculo. Na verdade, o modelo de planejamento é o que, no Banco Mundial, se chama de ‘planejamento amigável ao mercado’ ou ‘planejamento orientado ao mercado’. Não se trata de, como nos anos 50, 60, fazer um planejamento porque o mercado gera imperfeições. O mercado passa a ser a melhor forma de organizar a cidade.

Além disso, com o objetivo de dar visibilidade à luta dos comitês populares da copa, Vainer apresentou a proposta do Portal Popular da Copa 2014 e Olimpíadas 2016 que está sendo desenvolvida pelo IPPUR. Este será um espaço para o debate nacional e um portal de acesso e reunião dos blogs dos estados.

Veja documento da Articulação Nacional Popular sobre os Megaeventos
A realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016 é a oportunidade de gerar investimentos que reduzam as desigualdades sociais, com a promoção de melhoria das condições de vida da população brasileira. Mas o que assistimos em nome da realização destes Megaeventos Esportivos é a violação de direitos humanos e sociais. Enquanto os governos, organizações internacionais (FIFA, COI) e empresas envolvidas na promoção dos eventos anunciam os possíveis benefícios, a experiência internacional das cidades e países onde já houve a realização de megaeventos demonstrou que os impactos gerados não significaram melhorias reais nas condições de vida e na ampliação dos direitos de  toda a população, sobretudo das pessoas mais pobres e vulneráveis.

Em muitos casos, estes megaeventos têm gerado efeitos negativos sobre diversos segmentos sociais, especialmente sobre aqueles que historicamente são excluídos/as, como: moradores/as de assentamentos informais, migrantes, moradores em situação de rua, trabalhadores/as sexuais, mulheres, crianças e adolescentes, comunidades indígenas e afrodescendentes, vendedores/as ambulantes e outros trabalhadores/as informais, inclusive da construção civil. As remoções e os despejos forçados destes grupos sociais são as violações mais comuns no Brasil e em outros países sede de megaeventos.

Seus efeitos perversos são particularmente ampliados através da imposição do Poder Público e comitês promotores dos eventos, de um verdadeiro “estado de exceção”, instituído especialmente no contexto dos jogos, que permite a flexibilização das leis e suspensão de direitos antes e durante os jogos, ameaçando, assim, os mecanismos de defesa, proteção social, garantia e promoção de Direitos Humanos.

Já está prevista a quantia de R$ 24 bilhões de recursos públicos (10 vezes o orçamento do Ministério dos Esportes em 2011) nas obras das 12 cidades sedes: Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, Manaus, Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. Além deste dinheiro, foi aprovada isenção de impostos para as construtoras dos estádios e dos campos de treinos nas outras cidades que atuarão como apoio à Copa, recebendo as seleções. Ora, por que não isentar de impostos a cesta básica dos/as trabalhadores/as?

Até agora não é evidente que o legado da Copa e das Olimpíadas contribua minimamente para a inclusão social e ampliação de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Ao contrário, a falta de diálogo e transparência dos investimentos aponta para a repetição do que ocorreu no período dos Jogos Panamericanos de 2007, quando assistimos ao desperdício de recursos públicos (de acordo com o TCU, mais de R$ 3,4 bilhões foram gastos de forma indevida, mas ninguém foi punido) em obras superfaturadas que se transformaram em elefantes brancos e, tão ou mais grave, o abandono de todas as “promessas” que geraram na sociedade, expectativas de algum “legado social”.

Se forem contabilizados os recursos investidos para a construção de equipamentos para Copa e Olimpíadas, o país poderia diminuir o déficit habitacional, ampliar o acesso aos serviços urbanos básicos, promover melhorias socioambientais, programas de trabalho e renda, investir na saúde pública e na educação. Além disso, poderia construir uma política esportiva que promovesse o esporte amador, além do esporte de alto rendimento e não beneficiar quem faz do esporte,fonte de acumulação de poder e de riquezas.
Neste sentido, apontamos a urgência de mobilizar uma ampla rede de organizações sociais e movimentos populares, sindicatos, órgãos de defesa de direitos e controle do orçamento público, com protagonismo das comunidades direta e indiretamente afetadas para monitorar as intervenções públicas e privadas e  articular ações integradas em torno das seguintes pautas e agendas:

1. Participação / Consultas Públicas: As ações e obras propostas no âmbito dos megaeventos devem ser objeto de amplas consultas e audiências públicas, e os posicionamentos e recomendações definidos nesses espaços devem orientar as ações, garantindo a efetiva participação popular.

2. Transparência e acesso à informação: Os planos, projetos, cronogramas, convênios, contratos e ações promovidas no âmbito da Copa e Olimpíada devem ser de domínio público.

3. Orçamento: Os orçamentos devem ser publicizados e sua execução acompanhada pela sociedade civil. Nenhuma política social, urbana e ambiental pode sofrer cortes em função da necessidade de direcionar recursos para as obras relacionados aos Jogos.

4. Direitos trabalhistas: A construção das infraestruturas e equipamentos, bem como todos os serviços relacionados aos jogos devem respeitar os direitos trabalhistas, possibilitar a inclusão na formalidade do maior número possível de trabalhadores e não perseguir ou criminalizar ambulantes e trabalhadores/as informais, camelos e artesãos.

5. Despejo ZERO na realização da Copa e Olimpíada: Para a realização das obras e dos eventos não devem ocorrer remoções e despejos forçados. Os megaeventos devem realizar obras que prioritariamente proporcionem melhoria na qualidade de vida das pessoas, principalmente, daquelas que se encontram em situação de desigualdade social, garantindo o direito à moradia e o direito à cidade a todos e todas, respeitando a legislação nacional e as recomendações e tratados internacionais.

6.  Não a outras violações de Direitos Humanos: As ações de segurança e intervenção urbanística devem respeitar os direitos humanos, com a intenção de melhorar a realidade urbana e as condições de vida de populações vulneráveis como moradores/as de assentamentos informais e cortiços, mulheres, crianças e adolescentes, trabalhadores/as informais, comunidades indígenas e afrodescendentes, população em situação de rua, artistas populares, dentre outros.

7. Legado social e Ampliação de direitos: O saldo final dos investimentos e políticas de incentivos praticados para viabilizar os megaeventos deve ser de um legado socio-urbano e socioambiantal positivo para toda a sociedade de modo que sejam ampliados os direitos humanos, civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais Para tanto, deve ser construído um Plano de Compromisso em diálogo com as organizações não governamentais, movimentos sociais e comunidades afetadas.

8. Repúdio à “cidade de exceção”: A realização das obras deve observar e aplicar os princípios que constam no Estatuto da Cidade, na Constituição Federal e nos tratados e acordos internacionais, permitindo, assim, a construção de cidades justas, democráticas, sustentáveis e inclusivas e a garantia de direitos historicamente conquistados, além de evitar o endividamento externo e o subsídio às grandes empresas.

9. Em Defesa de uma política esportiva e cultural: Cultura e esporte são elementos essenciais na formação das pessoas. Toda cidade deve ter um amplo projeto de incentivo à cultura popular e ao esporte comunitário. Buscar a integração da saúde, educação e lazer. Defendemos projetos populares e de longo prazo, com investimentos na base em todas as áreas do esporte e da cultura.

Copa e Olimpíadas: vamos jogar limpo.
Participação, transparência, controle social e conquista de direitos.

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