Iuri Müller
Há meses, o cenário da Vila Cruzeiro, situada na Zona Sul de Porto Alegre, se modifica todos os dias. Na Avenida Moab Caldas, a popular Avenida Tronco, máquinas aparecem ao longo da via que está sendo duplicada. Algumas casas já foram derrubadas, outras ainda esperam pela avaliação do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB). Ao todo, cerca de mil e quinhentas famílias precisarão ser removidas do local em que vivem hoje – e, até aqui, menos de um terço delas têm a situação regularizada.
O processo de remoção das famílias da Vila Cruzeiro sofre contestação por parte dos movimentos sociais e de alguns moradores. No início de julho, uma manifestação organizada pelo Bloco de Lutas pelo Transporte Público e o Comitê Popular da Copa percorreu as ruas do bairro, defendendo as garantias das famílias envolvidas na obra da Prefeitura. Criou-se, também, o programa “chave por chave”, ligado ao Comitê Popular, no qual a comunidade busca a certeza de ter uma nova habitação para, só então, deixar a atual residência.
Basta uma caminhada pelas proximidades da Avenida Tronco e algumas conversas com a vizinhança para perceber que muitos moradores demonstram certa insatisfação com o processo. Alguns se queixam das alternativas oferecidas pelo DEMHAB, outros da demora que o poder público estaria mostrando para depositar o valor das reparações. No entanto, também existe silêncio e desinformação: há quem esteja na rota da duplicação da via e não saiba, até agora, quando e como precisará deixar o local.
No mural, ofertas para Alvorada, Viamão e Imbé
Para Marcos Botelho, diretor-adjunto do DEMHAB e responsável pela negociação com as famílias no projeto da Avenida Tronco, os moradores têm três alternativas na atual situação: recorrer ao aluguel social, de até R$ 500,00 por família, optar pelo bônus moradia, no valor de R$ 52.340,00, ou buscar a indenização do valor do atual imóvel. “O aluguel social é voltado para quem deseja permanecer no bairro. As famílias receberão este valor até que as moradias do programa Minha Casa, Minha Vida estejam prontas”, afirma Botelho.
No entanto, segundo o DEMHAB ainda não é possível apontar um prazo para a finalização das residências, que ainda não saíram do papel. O bônus moradia tem sido a saída mais procurada pelos moradores, que não permaneceriam nos bairros próximos à Vila Cruzeiro. “Ainda existe a opção de indenização. Temos o acordo com uma empresa terceirizada, que a partir de um laudo nos dá o valor comercial que deveremos pagar pelo imóvel”, conta Marcos Botelho.
O Departamento Municipal de Habitação conta com um escritório nas primeiras quadras da Avenida Tronco, direcionado para o projeto das remoções e a negociação com a comunidade da Vila Cruzeiro. Quem entra na sala logo se depara com um mural repleto de ofertas de imóveis – a maior parte deles, com valor muito próximo ao que se paga pelo bônus moradia. Alguns dos destinos sugeridos ficam em Porto Alegre, em bairros como Restinga e Rubem Berta. Entretanto, parte dos papeis aponta para cidades da Região Metropolitana, como Alvorada e Viamão, ou do litoral, como Imbé.
Moradores se queixam de atraso nos pagamentos e de incertezas nas negociações
“Estou esperando há dois meses pelo pagamento do bônus moradia, que está muito atrasado. Eu tinha uma casa garantida na Glória, com contrato feito, e até agora não foi depositado o valor. Hoje vai vencer o terceiro prazo, e estou com medo de perder o negócio”. O relato é da diarista Therezinha da Silva, que vive há mais de vinte e cinco anos na Avenida Tronco. Além da demora para receber o dinheiro, ela lamenta a falta de diálogo com representantes da Prefeitura.
Marcos Botelho justifica possíveis atrasos nos pagamentos: “o bônus moradia é uma lei específica que foi aprovada pela Câmara. Para ser aprovado(o depósito do valor) é preciso uma série de documentos, e em alguns casos há dívidas grandes que inviabilizam a entrega”. Therezinha da Silva, como outras moradoras, afirma que não irá optar pelo aluguel social, alternativa que seria demasiado incerta. “Sem a garantia de outra casa, eu não saio daqui”, defende-se.
A poucos metros dali, Teresa Alves observava na calçada se alguém nas redondezas poderia solucionar o seu problema – a casa que fica exatamente ao lado da sua havia sido derrubada na véspera, e desde então Teresa ficou sem água. Com a ação das máquinas, alguns canos foram quebrados. A idosa, de mais de setenta anos, também precisará buscar outro destino. A duplicação da Avenida Tronco não prevê a continuidade do sobrado no local em que está há quase quarenta anos. “Assim como eles têm o compromisso de derrubar, precisam aparecer aqui para conversar com a gente”, diz. Teresa afirma esperar há dez dias a visita da Prefeitura para avaliar a sua casa, o que não ocorreu até a última terça-feira (23).
Marcos Botelho garante que o DEMHAB trabalha “com o convencimento”, para que todas as famílias removidas saiam com “segurança e garantias”. “O tempo desta remoção é o tempo destas famílias. Elas optam pelo tempo de convencimento delas, e nós temos que dar muita informação para que façam a melhor escolha”, afirma. Até o dia 23 de julho, 330 famílias optaram pelo bônus moradia, 65 pelo recebimento do aluguel social e outras 60 pelo processo de indenização. Outras mil famílias estariam, portanto, com a situação indefinida. As informações são do próprio DEMHAB.
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