Em meio às manifestações pelo passe livre e por transporte público e de qualidade, que ocorreram em todo o país e reuniram milhares em Porto Alegre, este ato na Vila Cruzeiro, pautando os impactos e os despejos da Copa do Mundo de 2014 na Capital gaúcha, teve um caráter diferenciado: o protesto, que até então se concentrava no centro da cidade, foi para a periferia - e justamente para uma região que tem atraído diversos olhares e interesses econômicos e políticos devido ao megaevento.
Bloco de Lutas vai à Vila Cruzeiro, Zero Hora não enxerga mobilização da periferia
4 julho 2013
O mais bonito, democrático e plural protesto dessa série de atos de junho e julho aconteceu em Porto Alegre na noite dessa quinta-feira. Os ativistas que já levaram a cabo dezenas de manifestações na região central da capital gaúcha dessa vez rumaram à periferia, à Vila Cruzeiro, onde se juntaram a centenas de moradores que estão a vias de serem expulsos de suas casas por uma obra relacionada à Copa do Mundo de 2014. Pelas ruas, outros moradores formavam um cordão humano, aplaudindo, acenando, cantando e dançando. Não foi o que Zero Hora viu.
Os repórteres de Zero Hora, antes de pelo menos dois deles serem escorraçados pelos manifestantes, acompanharam a marcha novamente sem identificação. Com crachás do Grupo RBS provavelmente não teriam sequer iniciado a caminhada. E novamente ficaram expostos os motivos do repúdio. A cobertura ao vivo feita pelo site do jornal Zero Hora deu o tom que seria seguido depois pela matéria publicada no mesmo site e reproduzida – com pequenas alterações – na versão impressa de sexta-feira. Para eles, a comunidade da Vila Cruzeiro pouco participou, foram poucos os manifestantes e mereceu especial atenção o suposto medo causado à comunidade pela mobilização.
Sobre a quantidade de participantes, a matéria é aberta falando em “sem multidão”, e no parágrafo seguinte apresenta números, sugerindo um resultado negativo: “A Brigada Militar calcula que 500 pessoas participaram do protesto, bem menos que as 3 mil que tinham confirmado presença por meio das redes sociais”. Ora, os repórteres de ZH ainda estavam no protesto quando os organizadores apresentaram seu cálculo: 3 mil. Além disso, os próprios repórteres presentes na marcha estavam lá para quê, se depois iriam utilizar apenas informações da Brigada Militar?
A respeito da participação dos moradores da Vila Cruzeiro, novamente Zero Hora viu algo muito diferente do que enxergaram, por exemplo, Jornalismo B e Sul 21. Diz ZH: “A passeata era feita, basicamente, por estudantes e sindicalistas que vivem fora da Cruzeiro e vieram da região central da cidade para organizar a caminhada. A comunidade da vila pouco se envolveu. Muitos moradores preferiram acompanhar a movimentação desde as janelas, acenando”. O que os outros veículos ressaltam – e o momento em que a manifestação se dividiu, com os moradores retornando, demonstrou com clareza – é que foram centenas de residentes da Cruzeiro caminhando junto com o Bloco de Lutas, e outras centenas ao seu redor, animados, emocionados.
Outro trecho da matéria busca, como já aconteceu em outros momentos, causar divisão dentro do Bloco (“A caminhada foi liderada por anarquistas. Eles se diferenciavam por usarem bandeiras vermelho e pretas e lenços negros sobre o rosto. Alguns falavam ao microfone em nome do Bloco de Lutas, outros pelo Comitê Popular da Copa. Duas garotas se destacavam nos discursos”) e fortalecer a sensação de temor pela violência – praticamente ausente da mobilização na Vila Cruzeiro (“Os ativistas planejavam caminhar até a prefeitura para exigir uma reunião entre o prefeito e os moradores. Até por isso, a marcha foi acompanhada pela BM. A cautela tinha razão de ser. Pelo menos três grupos de mascarados circulavam, causando nos moradores temor de vandalismo”). O que vimos, na verdade, foi todo o comércio aberto, e mais, feliz e simpático ao que se passava ali.
O medo que guardam aquelas pessoas não é do “vandalismo”, dos “mascarados”, dos anarquistas. O medo que carregam é da polícia que os agride, é do Estado que os violenta e os expulsa de casa, é da mídia que os criminaliza pelo simples fato de não terem nascido em berços dourados. É por ser parte fundamental desse processo de exclusão que Zero Hora não foi capaz de enxergar a emoção dos moradores da Cruzeiro por, ao menos por uma noite, terem sido lembrados e estarem em evidência.
Foi por isso que ZH não viu as dezenas de crianças e adolescentes que, em defesa de suas casas e de seus direitos, se juntaram à mobilização com seus cartazes e sua energia. Foi por isso que ZH não viu todas as nuances e dinâmicas próprias de um movimento social democrático e diverso e que, ao sair do centro em direção à periferia, expulsou de forma natural a direita que protestava “contra a corrupção” e “pelo nacionalismo”, tão agradável aos olhos da mídia das elites. Talvez estivesse de costas para o povo, procurando por um cartaz contra Dilma ou contra a corrupção, ou desesperados em busca de uma bandeira nacional ou de um vidro quebrado.
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