Na cidade e no campo, o Brasil tem
uma história longa de criminalização dos movimentos sociais. Desde as revoltas
na época do Império, passando pelas greves gerais do começo do século XX e
chegando até o tempo pós-ditadura, com massacres promovidos pela Polícia
Militar, como o do Carandiru (1992), o de Eldorado dos Carajás (1996) e os
crimes de maio de 2006, que originaram o surgimento das Mães de Maio, lutadoras
que buscam verdade e justiça para seus filhos - e todos os outros jovens
majoritariamente pobres e negros assassinados ou encarcerados pelas periferias
do país. Entre 2000 e 2011, foram mais de 4.600 mortos pela PM em São Paulo,
considerando apenas as denúncias que chegaram até a Ouvidoria da própria
corporação.
Esta semana, pela primeira vez em sua
gestão, a presidenta Dilma Roussef recebeu pessoalmente um movimento social: o
MPL (Movimento Passe Livre), que há 8 anos luta pelo transporte público
gratuito e de qualidade para todos. Isso não aconteceu da noite para o dia:
foram diversos grandes atos pelo país que, até serem retratados como
manifestações "de bem" pela mídia, tiveram o mesmo tipo de tratamento
violento por parte da polícia. O dia 13 de junho marcou, em São Paulo, uma nova
batalha da Maria Antônia, que terminou com mais de 200 pessoas detidas e muitas
outras feridas - entre elas, 20 jornalistas, com um deles tendo perdido a visão
de um olho.
(Foto: Ramiro Furquim)
Enquanto Comitê Popular da Copa –
São Paulo, não podemos deixar de notar que todas as nossas lutas são
atravessadas pela mesma questão: a presença da Polícia Militar como
"mediadora" do conflito. Nas manifestações populares, é esta
corporação que determina o começo e o fim, muitas vezes impedindo o trajeto do
ato e reprimindo quando acha que é hora de reprimir. Nas remoções forçadas, também
é a PM quem faz o trabalho sujo de expulsar moradores de suas casas - está aí o
Pinheirinho pra não nos deixar esquecer. No tratamento dos trabalhadores
ambulantes, é outra vez a PM quem extorque, agride e prende quem ousa desafiar
seu poder quase feudal. Nas ruas, nem é preciso dizer muito: é mais uma vez a
PM quem persegue, agride, prende e mata os sem-teto e os usuários de droga dos
grandes centros urbanos do Brasil. No campo não é diferente: sem-terra e
indígenas recebem o mesmo tratamento truculento quando a PM é chamada para
"dialogar". E também é a PM que reprime as torcidas nos estádios.
Hoje, a Força Nacional de
Segurança, que reúne polícias militares de diversos estados, está presente em 5
das 6 cidades-sede da Copa das Confederações: Rio de Janeiro, Salvador,
Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. Em um ano, estarão presente em todas as
12 cidades-sede da Copa da FIFA, e as notícias de violência nas manifestações
que recebemos hoje certamente se repetirão. Mas isso ainda pode ficar pior: com
a aprovação da Lei Geral da Copa, foi criado um "estado de exceção"
que permite à FIFA demandar e ao poder público fazer uso das Forças Armadas,
que receberam mais de 1 bilhão de reais de recursos públicos para fazer a
segurança apenas destes eventos. Além disso, está em vias de aprovação o PL
728/2011, conhecido como "Lei Anti-Terrorismo", que propõe a criação
de uma nova categoria de crime no Brasil: o terrorismo, um amplo
"guarda-chuva" onde podem ser enquadrados desde grevistas até
manifestantes, passando, é claro, pelos movimentos populares.
A Polícia Militar é dividida
hierarquicamente entre oficiais e praças, havendo um abismo entre as duas
categorias, com os oficiais tendo privilégios (como as maiores aposentadorias
do país!) e os praças servindo, quase sempre, como "bucha de canhão"
- abismo muito bem retratado no filme Tropa de Elite. Enquanto trabalhador, o
policial militar não tem direito de greve - qualquer greve é tratada como
motim, sendo passível de expulsão da corporação; é submetido ao Superior Tribunal
Militar, onde o principal crime julgado é (pasmem!) o uso de maconha por jovens
nos quartéis; e, dependendo da patente, é proibido de dar entrevistas ou
expressar sua opinião pessoal. De quase 100 mil policiais militares em São
Paulo, cerca de 5.000 são oficiais, apontados nas denúncias como os maiores
responsáveis pelas mortes nas periferias.
Por seu caráter militar, a
estrutura da PM é tão fechada que não há nem sequer uma corregedoria
independente para apurar os crimes cometidos por policiais. Não há, assim,
nenhum controle externo sobre as ações da corporação.
Na cidade de São Paulo, vivemos por
anos tendo oficiais da reserva da Polícia Militar como subprefeitos em 30 das
31 subprefeituras. Na última eleição municipal, foram três vereadores eleitos,
entre titulares e suplentes, oriundos de uma carreira militar. Eles constituem
a famigerada "bancada da bala", defensora de práticas violentas e de
leis que remetem à época da ditadura. Estamos sendo comandados e legislados há
tempos por militares, que, atendendo ao crescente clamor por "lei e
ordem", acabam de criar o Partido Militar Brasileiro.
Coincidentemente ou não, nas
recentes manifestações pelo país em que não houve presença ostensiva e ativa da
Polícia Militar, não houve também episódios de violência contra os
manifestantes. "Que coincidência, não tem polícia, não tem
violência", cantavam milhares de pessoas pelo Brasil afora.
A sociedade brasileira encara hoje
um conflito: de um lado, o aumento da presença de militares na vida política do
país; de outro, a voz de milhares de pessoas que sofrem com a violência
policial e que desejam um outro cotidiano. O Comitê Popular da Copa-SP já fez a
sua escolha: pela desmilitarização da polícia; pelo fim do uso de armas menos
letais; pelo fim dos assassinatos cometidos pela PM nas periferias e no campo;
pela liberdade de manifestação antes, durante e depois da Copa.
Porque não se trata de maus
policiais ou de falta de preparo: é a própria existência de uma polícia com
caráter militar, oriunda da ditadura também militar, que tem que ter um fim.
Domingo, 30 de junho, final da
Copa das Confederações, no Vale do Anhangabaú, o 4º ato "Copa Pra
Quem?" traz uma nova pergunta: Polícia Militar pra quem?
Comitê Popular da Copa – SP
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