Texto e fotos: Ana Costa / Jornalismo B
Nessa quinta-feira (10) de julho, moradores da Vila Dique e integrantes do Comitê Popular da Copa de Porto Alegre realizaram uma caminhada da avenida Dique até à avenida Sertório, passando pela rua Taim e pela rua Paquetá. Cerca de 70 pessoas, incluindo várias crianças e adolescentes, exigiram moradia e condições de vida dignas.
Quando Porto Alegre foi anunciada como uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, a Prefeitura e a Infraero anunciaram que seria efetivada a duplicação da pista do Aeroporto Salgado Filho. A Vila Dique, que fica na entrada da cidade e que existe há mais de 40 anos, tornou-se o primeiro problema para os idealizadores da obra de ampliação do aeroporto, já que parte da Vila fica no entorno.
O cadastramento das famílias foi feito de 2005 a 2006 e as remoções começaram em 2009. Com as remoções começaram a ser destruídas algumas estruturas, incluindo o posto de saúde da Vila Dique. Hoje, mais de 800 famílias já foram reassentadas e 600 continuam no local, mas
sem
posto de saúde, sem escola, sem creche, sem água, sem asfalto, sem saneamento básico e sem iluminação
nas ruas. O Departamento Municipal de Habitação(Demhab) garantiu soluções, mas atualmente não há condições para uma vida digna na Vila Dique. As 600 famílias continuam
sem resposta, as novas moradias não são entregues ou sequer construídas e não é permitido que os moradores façam obras de melhorias nas suas casas atuais.
A concentração para a caminhada começou às 16h entre a Avenida das Indústrias e a Avenida Dique, onde fica a entrada para a Vila. A comunidade reuniu-se para pintar faixas, cartazes e ensaiar as músicas para a caminhada. A Brigada Militar apareceu no local ainda antes das 16h.
As famílias reunidas saíram em caminhada até à Avenida Sertório por volta das 16h30, cantando “somos o povo e as nossas casas ninguém vai derrubar” e “i! Fodeu! A Vila Dique apareceu”. À frente da marcha, uma faixa com os dizeres “Vila Dique Resiste”. Nos cartazes empunhados por adultos e crianças, várias reivindicações foram pautadas: “Queremos ficar com dignidade”, “Moradia não é só 4 paredes”, “Queremos urbanização na Dique!”, “Cadastro já!”.
Desde o início, a caminhada foi acompanhada de perto pela BM, que intimidou e ameaçou vários moradores presentes. Uma grávida foi empurrada quando a PM tentava afastar a caminhada dos carros que passavam. No carro de som uma voz dizia “vamos na Sertório para toda a cidade nos enxergar“.
Quando a caminhada chegou ao final da Rua Paquetá e tentou entrar na Avenida Sertório, por volta das 17h15, com a intenção de parar o trânsito e chamar a atenção para as reivindicações da comunidade, a BM arrancou as faixas e bateu em um dos adolescentes que carregava uma dessas faixas: “Ele me amarrou e falou para largar a faixa”, contou o adolescente. Assim, os moradores foram impedidos de entrar na Sertório até que a mídia aparecesse no local, segundo ordens da BM.
Impedidos de entrar na Sertório, os moradores realizaram uma Tribuna Popular na Rua Paquetá, com microfone aberto para todos. A polícia barrava o acesso à avenida de uma forma que não permitia que quem passassepela avenida pudesse ler as reivindicações nas faixas ou nos cartazes.:“Não tão deixando as pessoas lerem nossa faixa, porque não querem que nossa voz seja ouvida”, dizia uma moradora da Vila Dique ao microfone.
“Hoje é dia de dizer que a gente fica na comunidade”
Na Vila Dique as famílias cobram do poder público o seu direito à moradia e a uma vida digna. Os moradores dizem que estão abandonados: “Essa comunidade está esquecida pelo poder público”, disse uma moradora. Segundo eles, o Demhab tem humilhado a comunidade. Vários moradores contaram que foram chamados de “bichos”, e por isso hoje podia se ouvir a comunidade exigindo que “o poder público nos enxergue como seres humanos” e dizendo que “não é mais possível aguentar este sofrimento”.
A prefeitura demoliu parte da Vila para ampliar o aeroporto e a comunidade quer de volta todos os equipamentos públicos que foram conquistados e, posteriormente, tirados à força. Como se podia ouvir ao microfone, “hoje é dia de dizer que a gente fica na comunidade” e até trabalhadores do antigo posto de saúde – que foi retirado da Vila para dar início às obras de duplicação da pista do aeroporto – estavam presentes na caminhada para apoiar os moradores.
Vítimas de um processo de remoção que vem como truculento e desrespeitoso, as famílias da Vila Dique continuam sem soluções: “O aeroporto está desse jeito, a Copa do Mundo tá acabando e o povo da Dique continua esquecido”, reclamou um morador. A data para as obras de duplicação da pista é uma incógnita, e tem sido sucessivamente adiada pela Prefeitura e pela Infraero.
A Vila Dique resiste
Por volta das 18h30, sem que fosse possível entrar na avenida Sertório, os moradores e os integrantes do Comitê Popular da Copa decidiram voltar para a Vila Dique repetindo o percurso da caminhada, agora à noite e em uma avenida cuja única iluminação era a dos carros que passavam – a avenida Dique.
Durante todo o percurso foram respeitados os limites da BM, que a comunidade considerou abusivos, mas a polícia isolou a caminhada até ao fim. Alguns adolescentes foram acusados de pichar os carros que passavam e um deles teve sua mochila revistada.
A caminhada terminou às 19h15, no mesmo local onde começou. Moradores e integrantes do Comitê Popular vão se reunir para decidir os próximos passos, mas garantem que não vão sair das ruas “enquanto não tivermos resposta da Prefeitura”, e que apenas começaram a sua luta. “Quinta-feira vai ser maior”, foi o canto que encerrou a caminhada.
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